MINHA JORNADA À ÍNDIA – Uma experiência transformadora

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Sempre tive o desejo de conhecer a Índia, mas minhas condições financeiras agravadas pela crise do país não se mostravam favoráveis para a realização desse sonho. Foi então que minha filha Mirela Proença mudou-se para Calcutá, passando a viver e trabalhar lá desde janeiro de 2016. Enxerguei uma luzinha vinda do túnel e abracei o desafio. Passei boa parte do ano reunindo os recursos necessários para tal empreitada, trabalhando bem menos do que desejava e incerta sobre minha viagem os meses foram se passando. Indagando em minhas preces e meditações COMO meus esforços poderiam se transformar em dinheiro para pagar as despesas de passagem e os dias que iria passar lá, meu coração respondia: Não se preocupe. Você só tem que ir, vai dar tudo certo…
Apesar de surreal as mensagens eram sempre as mesmas. Continuei meu planejamento e não deixei que os fantasmas urubuzentos me perturbassem, mantive minha fé e certa em meu coração que minha peregrinação iria acontecer e de fato, aconteceu.
Muitas situações foram resolvidas de forma inesperada e até mágicas, sempre acreditei que “aquilo que tem que ser, tem muita força”, que se mantivermos nosso coração puro e ações alinhadas com o propósito, nada pode atrapalhar. Claro que se não fosse a generosidade de meu pai, amigos e alunos nada teria sido possível. Tive toda ajuda que precisei, na medida e na hora certa. Eles foram todos maravilhosos! Sou muito grata!

 

#PartiuIndia
Visitar o país onde meus heróis espirituais viveram e alguns ainda vivem sempre esteve entre meus sonhos mais acalentados. Mestres de compaixão e sabedoria como Buda, Krishna, Mahatma Gandhi, Krishnamurti, Yogananda, Madre Tereza, Dalai Lama entre muitos outros tiveram uma forte influência na formação de meu caráter. Agora era a oportunidade de honrar minha devoção e nada foi mais gratificante do que estar em locais onde estes seres passaram.

 

Voando para Calcutá
Acho que somos todos constantemente influenciados pelas imagens difundidas pela mídia sobre a Índia, carregamos um arcabouço de pré-conceitos sobre o que vamos nos deparar, mas certamente nada nos prepara para a sutileza e as belezas escondidas desse país cheio de encanto e magia.
Meu primeiro impacto foi passar algumas horas no aeroporto de Dubai, onde fiz conexão. Caminhar entre pessoas que vem de todos os cantos do mundo, com trajes característicos que revelam sua origem e tradição religiosa; árabes, muçulmanos, cristãos, budistas, hindus, turistas e empresários em trânsito estão reunidos no mesmo local, mesmo que só de passagem e transformam qualquer caminhada no aeroporto em uma festa das nações.
A delícia de viajar sozinha é que podemos perambular livremente, como se estivéssemos em um sonho, como se outra vida estivesse começando, perdemos nossa antiga identidade e nos abrimos para o novo, o inesperado. Sentimos nosso ego afundando e se diluindo á medida que nos afastamos daquilo que conhecemos e de pessoas que reforçam quem acreditamos ser. Ali você não é ninguém. É um cidadão do mundo e o que está por acontecer é um mistério.
Rever minha amada filha depois de quase um ano longe foi uma das mais lindas emoções que já senti, vê-la bem, linda e feliz ali me esperando de braços abertos é uma recordação que me trás lágrimas de contentamento e felicidade.

 

Trânsito Local
Assim que descansei um pouco e coloquei as principais novidades em dia saímos para passear um pouco. Minhas experiências foram ficando cada vez mais interessantes. Começando pelo trânsito, uma confusão completa e barulhenta de carros, ônibus, tuk tuk, gente, vacas, cachorros e buzinas, muitas buzinas, tudo junto e misturado numa harmonia caótica. Incrivelmente e apesar da confusão as pessoas se respeitam e não há grandes desentendimentos no trânsito, tudo me pareceu ser resolvido na base da buzina e da tolerância. Aqui no Brasil se tivéssemos a mesma intensidade de pessoas e carros, acredito que o índice de acidentes e mortes seria incrivelmente maior. Assimilar esta bagunça organizada foi algo que desafiou constantemente minha capacidade, eu não teria coragem de dirigir naquelas ruas, acho que precisaria de muito mais tempo para perder o medo de me chocar ou surtar no meio do caminho…

Em relação aos procedimentos de segurança como: usar cinto de segurança, não falar ao celular quando está dirigindo, utilizar os espelhos retrovisores para se orientar espacialmente, nada disso é importante na condução dos motoristas. O espelho de dentro é utilizado para se olhar, os espelhos externos são itens opcionais na compra de um veículo e muitos que os possuem dirigem com eles virados para dentro, para não “atrapalhar” nas passagens. Mesmo assim a maioria dos ônibus, taxis e caminhões trazem uma mensagem pintada na lataria: “respect the traffic rules” ou seja “respeite as leis de trânsito” e também “horn please” buzine por favor. Não sei ao certo o que dizer sobre isso. Sentia-me confusa.

 

Beleza e Pobreza
Apesar da pobreza e sujeira que vemos nas ruas, há um lado sofisticado, luxuoso e moderno que permeia os locais. Vários shoppings e ruas de comércio que visitei tinham lojas de grife, roupas finíssimas tradicionais ao lado de joalherias que alegrariam a vista de qualquer marajá. Tudo muito colorido, elegante e de bom gosto. Restaurantes de todos os tipos e nacionalidades, muitas vezes com adaptações no cardápio para agradar o paladar dos indianos. Só para quebrar algumas das expectativas de que vamos comer apenas comidas vegetarianas com sabor carregado e que provavelmente teremos incômodos estomacais, digo desde já que nada disso me aconteceu. Durante minha estadia fui convidada para dois churrascos, comi peixes, camarões, carneiro, frango e algumas delícias locais que passaram a fazer parte de meu acervo de memória gastronômica, pois um de meus programas favoritos na vida é sair para comer e experimentar coisas boas!

Os locais públicos e turísticos são relativamente bem mantidos, alguns são mais limpos que outros, porém os banheiros são um desafio para nós ocidentais. Em sua maioria são latrinas onde você precisa se equilibrar e ter forças nas pernas para usar sem medo. Papel higiênico não é um hábito entre eles, a higiene é feita com chuveirinhos ou canecas de água. Fiquei com saudades de privada e descarga, essa combinação que para nós é tão banal que deixamos de agradecer. As diferenças culturais são evidentes quando observamos a forma das pessoas se tratarem, as pessoas não se tocam, abraçam e muito menos se beijam quando se encontram. Mesmo casais de namorados ou casados não andam de mãos dadas ou demonstram intimidade publicamente.

 Os casamentos são em sua maioria arranjados pelas famílias e as cerimônias podem durar dias, os mais abastados as realizam em salões de festas especializados ou hotéis sofisticados, com muitas luzes, música, comidas, trajes e joias caríssimas. Ás vezes beirando o exagero e uma certa ostentação que pode se traduzir em grande dívida para a família da noiva, é a família dela que deve tradicionalmente arcar com os custos. A ocasião é considerada pelas famílias como um dos eventos mais importantes da vida social dos indianos.
Não pude deixar de notar alguns fatos conhecidos de nós brasileiros, a corrupção dos governantes, policiais, a lavagem de dinheiro e a falta de punição para crimes relacionados à violência contra mulheres, manchetes encontradas fartamente em jornais locais.

 

 

 

Saúde e Limpeza
  A falta de saneamento básico em diversas localidades força a população a fazer suas necessidades em locais como margem de rios e córregos, convivendo com o acúmulo de lixo e sujeira desde muito tempo. Causando diversas doenças e perpetuando um modo de viver indigno e vulnerável.
A poluição do ar também me deixou indignada, durante o período que passei em Calcutá os dias estavam claros e a temperatura agradável em torno de 18 graus, porém notei que havia uma névoa constante que impedia os olhos de verem o azul do céu, mesmo não havendo nuvens.

 

 

Fiquei triste ao perceber que o preço pago pelo desenvolvimento é conviver com um meio ambiente poluído, onde a natureza insiste em tentar florescer mas encontra muitos obstáculos. Saliento que estas são observações do breve período que estive nesta cidade e certamente são incompletas e não representam o todo do país, são apenas divagações pessoais. Sei que há muitos locais que estão preservados e as condições do meio ambiente são mais preservadas, porém isso me fez refletir sobre o rumo que nosso país está tomando, se não nos ocuparmos com a preservação de nossa natureza podemos ter o mesmo fim e isso muito me assusta.

 

 

 

Templos em Calcutá
Templos e monastérios budistas de todas as diferentes linhagens…

Visitamos um dos templos da deusa Kali em Calcutá, o mesmo fica próximo a uma região de prostituição da cidade e
acumula muita sujeira e pessoas mendigando, velhos, crianças e mulheres entre as bancas de artigos religiosos e de comida. Não é permitido filmar ou fotografar o interior do templo. Ao entrar fomos abordadas por um sacerdote que nos levou para conhecer os locais de culto e os rituais feitos ali. Vários cabritos aguardavam amarrados para serem sacrificados em oferenda a deusa, enquanto cachorros lambiam o sangue que corria pelo chão. Ele nos explicou que após os rituais eles oferecem a comida feita por eles para a comunidade e servem centenas de refeições por dia. A devoção e o fluxo de pessoas neste local é muito grande e impressiona quem vai ali para conhecer.

   

 

Visitamos também o templo Birla Mandir, um local belíssimo, tão limpo e bem cuidado que pudemos perambular em seu interior sem preocupação e sair de lá com uma sensação de respeito e admiração. Sua imponente construção é feita em mármore e abriga esculturas delicadas e coloridas que mostram passagens da vida de Krishna e Radha.

 

 

 

 

 

Conhecemos também o Victoria Memorial, uma opulente construção feita no período que os ingleses eram os colonizadores. A rainha ali se hospedava quando visitava seus colonos. Inspirado pelos encantos do Taj Mahal, a construção é muito bonita e o parque ao seu redor é bem cuidado.

Ainda sentimos uma forte influência dos aristocratas que exploraram este país, muitos indianos tentam clarear sua pele utilizando produtos de beleza que prometem uma tez quase alva. A pele mais escura remete aos trabalhadores braçais do período do império, só os nobres, que obviamente tinham a pele clara e isso até hoje parece encantar os indianos. Muitas vezes fomos abordados por crianças e adultos que queriam fazer uma selfie conosco, principalmente ao lado de minha filha que é alta e loira. Toda as vezes que andávamos distraídas alguém tentava nos abordar ou nos encaravam descaradamente. Estranho e divertido.

A maioria dos outdoors mostravam pessoas brancas, ocidentais e/ou indianos com a pele bem clarinha. Vi em diversos locais pobres e sujos anúncios de joalherias, pedras preciosas e roupas de grife. Algo que me sempre me deu a sensação de estar fora do contexto e me incomodou um pouco. Mesmo sabendo que a Índia é o país que concentra o maior número de pessoas que possuem joias e ouro, afinal eles são especialistas em lapidação e o comercio de exportação de pedras preciosas é muito poderoso.
Ainda permanece muito vivo o sistema de castas e apesar de todos os esforços e transformações culturais é fácil perceber quem é quem, mesmo que veladamente a submissão se revela e a arrogância das castas mais altas é motivo de conversa e críticas constantes feitas pelos indianos que conversei.
Manter a mente aberta e sem julgar é uma condição necessária para apreciar esse país, tão cheio de contrastes e tradições. Absorver os valores sem ficar comparando com outras culturas é um exercício constante de humildade.

Peregrinação à Bodhi Gaya
Tomamos um trem para a cidade sagrada de Bodhi Gaya, local de peregrinação de budistas do mundo todo, pois ali estão alguns dos locais mais importantes da trajetória do príncipe Sidarta Gautama e a árvore Bodhi onde ele encontrou a iluminação. São muitos os templos e monastérios, a cidade estava se preparando para receber a visita de sua santidade Dalai Lama em algumas semanas e todos pareciam estar empolgados com isso, os templos estavam sendo pintados, enfeitados com flores, bandeiras e muitos cartazes espalhados pela cidade.
Fomos agraciadas com dois guias locais Tashi e Laka, que nos levaram por um tour na garupa de motos em vários dos locais mais sagrados da redondeza, foi uma experiência incrível, emocionante e cheia de momentos inspiradores. Visitamos uma das árvores sagrada que fica á margem do rio e foi onde Buda recebeu das mãos de uma pastora um pouco de mingau de arroz e restaurou suas forças após passar um longo período sem se alimentar, ela fica no caminho da caverna nas montanhas onde ele meditou. Ali é um dos principais locais de peregrinação e há vários templos construídos nas redondezas. Conhecemos também uma escola-orfanato que oferece abrigo e educação a crianças abandonadas.
A cidade em si já é encantadora, monges, discípulos, turistas se misturam nas calçadas e ruas, uma muvuca sortida e colorida. Dezenas de bancas de artigos religiosos, imagens, sinos, conchas, mandalas, tankas, malas, incensos, adornos encantadores e que desafiam até o devoto menos consumista a passar por elas sem comprar nada. Confesso que não trouxe tudo o que queria mas fiquei absolutamente encantada e seduzida.
A lembrança da visão da entrada do templo Maha Bodhi todo enfeitado, repleto de oferendas, incensos e mantras ainda hoje me emociona. Sentar onde Buda se iluminou e meditar em baixo da árvore que ali se encontra, que é descendente da matriz original de 2.500 anos atrás é uma bênção e emoção indescritível. Sem dúvida este foi um dos locais mais lindos, majestosos e sublimes que já vi em minha vida, foi uma visão de sonho que encantou meus olhos, minha alma e coração.


Foram muitas emoções em locais encantadores e pessoas especiais, senti meu coração apertado quando meu retono estava chegando. Fiquei com um gostinho de quero mais e isso fortaleceu minha vontade de conhecer muitos locais desse país antigo, moderno, luxuoso e único. Voltarei tantas vezes quanto puder e já estou com saudades, mesmo passados poucos dias que retornei, sinto que um pedaço de meu coração ficou por lá.

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