ELLE

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De que matéria será feito o semblante de Isabelle Huppert ?
Qual fibra nervosa constitui os músculos da sua face ?
De onde vem tanta plasticidade estampada em seu rosto ?
As perguntas vêm aos borbotões quando se assiste a essa extraordinária atriz no filme “Elle”.
Sua personagem Michelle consegue atravessar as situações mais extremas com a fleuma dos ataráxicos.
Já sabíamos do seu talento incomum.
Sabíamos também da sua capacidade de entrega aos diretores de cinema que sabem exatamente o que querem, como Paul Verhoeven.
Não sabíamos, contudo, que pudesse ancorar um filme apenas com seu semblante.
Tudo se subordina a ele.
Seu corpo, roupas, gestual, comportamento, gozo, voz, olhar, tudo é filtrado pela fisionomia facial.
O grande diretor Robert Bresson, em seu livro seminal “Notas sobre o Cinematógrafo”,  diz não gostar de atrizes e atores profissionais.
Os profissionais fazem caretas para representar.
Daí preferir trabalhar com atores e atrizes amadores.
O que Paul Verhoeven terá feito no set de filmagem para que Isabelle Huppert fosse colocada no quadro a partir do seu rosto sem que recorresse abusadamente ao close ?
Como conseguiu o feito absurdo de rodar um filme inteiro sem que a personagem protagonista exibisse uma careta sequer ?
O fato é que somos surpreendidos a cada cena com sua impassibilidade voluptuosa.
Intuímos que Michelle é enigmática, nada óbvia, sincera quando dela esperamos o simulacro, mascarada quando lhe desejamos a verdade.
Nada, entretanto, perturba sua cara onipresente e pretensamente indiferente ao prazer ou à dor.
Sim, pretensamente indiferente, posto que sabemos desde sempre que sob esse rosto-símbolo de um corpo em convulsão habitam as mais fundas perversões da alma humana.
Cabe registrar que os demais atores e atrizes são igualmente muito bem dirigidos.
De modo que as cenas transcorrem numa chave de exímia mis em scéne para cada quadro.
Muita vez, inclusive, a ação se dá fora do quadro, como ocorre no início do filme, quando a cena do estupro é “vista” pela sonoplastia ou o olhar do gato que a tudo assiste por nós.
Ou quando os personagens saem do quadro e a câmera permanece filmando os demais objetos que compunham e compõem o quadro.
Poucas vezes vi um filme tão dependente da fisionomia da personagem principal.
Nunca vi uma atriz dar conta da tarefa como hoje vi nos olhos, boca, nariz, cabelo, testa, orelhas e bochechas de Isabelle Huppert.

Luiz Carlos Andrade Santos

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