Sem ingenuidade e nem cinismo

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É difícil falar sobre a situação de nosso país sem cair em armadilhas ideológicas, estas acabam por contaminar a reflexão pela simplificação e repetição de idéias prontas e separatistas.

Não nego que senti um imenso alívio pelo fim de quatro anos de obscuridade, discursos negacionistas e irresponsáveis. Eu já pressentia que algo nefasto iria acontecer caso o país tivesse que lidar com um personagem desequilibrado e totalmente desconectado com a cultura, meio ambiente, arte e educação. Deu no que deu, retrocessos e certamente muita corrupção e fake news. Pouco sabemos até o momento dos processos em sigilo e outras falcatruas que ainda estão por ser investigadas, há certamente muita sujeira ainda escondida debaixo do tapete.

A revolta dos simpatizantes que sentiram-se abandonados por seu suposto líder é compreensível, afinal eles foram alimentados todo tempo com mentiras e acabaram por afinar-se com elas, tentaram de forma violenta destruir os símbolos de poder mais importantes do país. Mas apesar de todo estrago, prejuízo moral e patrimonial que o país sofreu, a democracia não foi abalada.

Não sou ingênua a ponto de colocar a salvação do país ou a minha própria nas mãos de políticos, divindades ou qualquer outra pessoa que não a mim mesma. Sei que no final do dia sou e meu travesseiro, apenas minha consciência e meus atos serão minhas testemunhas, portanto tenho muito trabalho interior a ser feito, não dá para se distrair com bobagens.

Como educadora e filósofa busco inspiração em seres humanos iluminados e não-violentos, como Mahatma Gandhi, Buda, Luther King, Desmond Tutu entre outros, seres que não apoiaram suas visões em discursos de violência e radicalismo, seres que viveram e enfrentaram governos autoritários, violentos e sedentos de poder e vingança, mas em meio a todos os problemas se mantiveram íntegros e não-violentos. Não deve ter sido nada fácil, como também para mim (bem longe de estar iluminada) não é nada fácil digerir minha raiva e frustração ao ver a insanidade dos últimos acontecimentos. Sigo firme em minha prática mas confesso que às vezes ainda vacilo.

Nós, brasileiros, não podemos perder de vista o objetivo comum que temos em nossas mãos, fazer do Brasil um país unido, seguro, com oportunidades de trabalho e estudo para todos e com uma melhor distribuição de renda. Isso sim deveria estar em pauta, não desafetos e um sem fim de críticas ao novo governo que mal começou. Eu, particularmente, nunca tinha votado no PT, não sou petista, nem comunista, nem nada dos rótulos que tentam constantemente me enquadrar. Sou apenas humanista, desejo ver a ciência, a arte, educação, música e o meio ambiente sendo protegidos, valorizados e enaltecidos. Sou de humanas e trabalho para melhorar a vida de outros humanos. Independente de religião, cor, orientação sexual ou política.

Claro que ficarei atenta ao novo governo, estarei preparada para cobrar, criticar e também elogiar se achar pertinente. Sem me esquivar da possibilidade de retirá-lo do cargo caso a corrupção e a mentira se alastrarem, mas farei isso democraticamente, baseada em fatos e verdades, não em picuinhas e manipulações. Mais forte do que as opiniões prontas de pessoas fanáticas que mal saberiam explicar a diferença entre comunismo, socialismo e capitalismo, sigo com os olhos e ouvidos bem abertos, para acolher os que vierem até mim, provocar a reflexão dos que acreditam já saberem de tudo e principalmente trazer a sabedoria dos mestres que nos deixaram um legado de união, concórdia e respeito. 

Desejo mesmo que as pessoas busquem aprender mais, ouvir mais e criticar menos. Deveríamos colocar nosso empenho em buscar soluções para construirmos um país mais justo, menos dividido e certamente menos violento. Nada justifica a destruição e o vandalismo, mesmo porque a casa/país é de todos e não estaremos livres das consequências de nossos atos, seja pelo karma ou pelo sistema judiciário. Ainda há tempo para melhorarmos nossos métodos de ação no mundo, buscarmos exemplos mais elevados e pacíficos de convivência, tenho certeza que sua família, seus amigos e colegas de trabalho irão te agradecer. Ninguém aguenta conviver com pessoas radicais, somente outras pessoas tão radicais quanto e isso é uma verdadeira chatice. 

Se perceber que a sua volta não há possibilidade de diálogo e nem argumentação, então se afaste, deixe que o mundo (redondo) gire e revele a Verdade, não uma versão editada ou distorcida dela, a Verdade verdadeira que nada poderá apagar. Sem ser ingênuo e nem cínico.

Regina Proença

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