Educação para Paz – Programa de Liderança e Saúde Emocional
Este artigo é a apresentação dos melhores momentos do programa de Educação para Paz realizado ao longo de 2023 pela equipe do coletivo cultural Fora da Caixa em parceria com o Educandário e Instituto André Luiz.
Desde 2018 estamos trabalhando junto às crianças e jovens potencializados pelo Educandário, sempre buscando desenvolver e aprimorar nosso programa de Liderança e Saúde Emocional. Já divulgamos em outros artigos os resultados dos anos anteriores, aqui salientaremos as conversas, reflexões, apresentações e opiniões dos jovens que estiveram presentes nos encontros deste ano.
As estratégias elaboradas e adotadas no programa são fruto de anos de estudos e pesquisas feitas por Regina Proença, coordenadora do Coletivo Cultural Fora da Caixa que há mais de 25 anos vem desenvolvendo e implementando projetos de Educação e Cultura de Paz. Os excelentes resultados obtidos têm nos trazido diversos prêmios, reconhecimento nacional e internacional, convites para apresentarmos nosso programa em eventos de Educação para Paz na Índia, México, Nepal, Estados Unidos e Brasil. Isso nos orgulha e nos motiva a continuar nosso trabalho cada vez mais. A combinação de informações científicas e filosóficas associadas ao diálogo e dinâmicas em grupo norteiam os encontros, a participação ativa dos jovens é sempre estimulada e valorizada Este ano tivemos a participação especial de Mirela Proença, integrante de nossa equipe que enriqueceu ainda mais nosso programa com sua presença. Os jovens puderam contar com sua ajuda, orientação e amizade ao longo do ano e isso fez muita diferença no resultado final. Suas observações, experiência de vida e profissional em outros países trouxe muitas oportunidades de informações culturais e reflexões ao grupo.
Estrutura do Programa
Os encontros são elaborados em três fases: eu – comigo mesmo, eu e os outros e eu a comunidade. Na primeira fase abordamos assuntos e dinâmicas de autoconhecimento, introduzimos ao grupo exercícios de respiração, consciência corporal e meditação silenciosa. Aplicamos um questionário sobre Saúde Emocional onde exploramos os sentimentos predominantes e os efeitos emocionais observados no período da pandemia. Um outro questionário sobre Ética Comportamental foi aplicado onde eles descrevem a maneira como se comportam em sua rotina em casa e na escola, além de questões sobre suas dificuldades sócio-emocionais e relacionadas à saúde física e psicológica.
Os momentos de silenciamento ajudaram na redução da ansiedade e no equilíbrio emocional dos jovens.
No início conversamos muito sobre os efeitos que a Pandemia produziu no grupo, sobre como foi lidar com o isolamento, com mortes de pessoas da família e comunidade, como eles foram afetados pela ansiedade, tristeza e o estado constante de medo de contrair o vírus. Conversamos sobre a importância da vacinação e de como buscar informações científicas corretas para diminuir os efeitos nocivos das notícias falsas que se multiplicam nas redes sociais.
Aos poucos fomos introduzindo um repertório que trazia um conteúdo mais filosófico e político-social, as reflexões foram se tornando mais profundas e relacionadas com movimentos sociais, direitos humanos, manifestações pacíficas e personalidades que inspiraram o mundo através de sua autoridade moral e liderança ética.
Através de documentários, filmes e aulas expositivas, apresentamos a filosofia de Não-violência de Mahatma Gandhi, Martin Luther King, Mandela, Rosa Parks, Malala, Greta Thumberg, entre outros. Refletimos sobre a dessegregação racial, boicote, marchas, protestos e ocupações pacíficas, feminismo, direitos humanos, vocações e sonhos.
Também convidamos os jovens a usar a criatividade como estratégia para melhorar a concentração, reduzir a ansiedade e assim entrar em contato com a arte através da pintura de mandalas. Essa experiência foi muito positiva e o resultado nos trouxe uma variedade de lindas mandalas, as mesmas foram expostas no Educandário para que todos pudessem apreciá-las.
Os questionários e as atividades propostas nos ajudaram a conhecer melhor os participantes e auxiliaram na criação de um ambiente harmônico, estimulante e pacífico onde as diferenças foram valorizadas, a troca de opiniões e saberes fluiu de forma livre e leve. Não tivemos problemas com indisciplina, bullying ou qualquer outro comportamento desrespeitoso que envolvesse agressividade verbal e/ou física.
Os encontros em sua maioria são feitos com as cadeiras e mesas arrumadas em círculo, facilitando a expressão e o diálogo com os participantes. Não adotamos o modelo tradicional onde o professor é o único que pode ver os rostos dos participantes, todos ocupam um lugar de fala e todos podem se ver. Parece uma coisa banal, mas a estrutura da escola tradicional não possibilita a comunicação ou a disposição das cadeiras de maneira onde o professor seja inserido no círculo. Isso separa e afasta o professor dos alunos, criando uma estrutura de hierarquia e poder que vem da época medieval, onde se considerava o professor o único que tinha conhecimento, vide o significado da palavra “aluno”, que vem do latim e quer dizer “sem luz.”
O formato das aulas refletiu nas respostas da avaliação do programa, como observou uma das participantes:
“Gostei muito de todas as aulas, foi uma experiência diferente, me senti conectada com as professoras e isso muda muito. Os temas são assuntos que me interessam bastante, por isso, a cada vez, eu ficava com mais curiosidade. Gosto de como a aula é parecida (ou é) uma roda de conversa, nos deixa mais à vontade”
Gabriella, 17 anos.
Mirela interagindo com o grupo, todos se sentiam à vontade para perguntar ou se expressar sobre qualquer assunto.
Quando eles aprendem a dialogar, a ouvir o outro e discordar com respeito, estão aptos para realizar uma comunicação mais eficiente, empática e inclusiva. Propiciando assim um amadurecimento emocional em suas interações dentro e fora do ambiente escolar. Este aprendizado é muito valioso. Torcemos para que estas atitudes positivas possam acompanhá-los em sua vida adulta.
Essa percepção de como os participantes levarão para vida os ensinamentos que receberam no programa se apresentou na colocação de Vitor, com apenas 11 anos de idade, ao falar sobre qual dos documentários que teve maior impacto em sua vida;
“O documentário do Mahatma Gandhi. Porque eu resolvo sem bater que nem ele e pratico muito satyagraha com meus amigos.”
Vitor Hugo, 11 anos.
Para quem não está familiarizado com os termos utilizados por Gandhi, satyagraha significa “firmeza na Verdade”, agir de forma ética e sem abrir mão dos princípios morais e humanos.
Entre as atividades propostas aos participantes, tivemos uma vivência intitulada “Caminhada do Privilégio”, trata-se de uma dinâmica que foi adaptada e aplicada com os jovens para que eles pudessem perceber os obstáculos e facilidades que têm em sua vida. Também utilizamos esta dinâmica para mostrar que mesmo com todos os obstáculos que a vida adulta nos apresenta, podemos desenvolver nossos talentos e dons para romper a bolha cultural e social que nos envolve. Muitas vezes esse é o nosso diferencial, é o nosso empenho e dedicação que gera bons frutos. Temos que alimentar os sonhos e esperanças do grupo pois isso é que torna nossa existência enriquecedora e faz com que as conquistas sejam apreciadas a cada etapa.
Apesar de nosso foco principal ter sido as estratégias de Cultura de Paz e o autoconhecimento, tivemos no decorrer dos encontros o início dos conflitos na Faixa de Gaza. Isso nos levou a fazer uma contextualização histórica dos fatores que culminaram neste trágico evento. Foi interessante que mesmo antes de desenvolvermos o assunto, os jovens expressaram empatia e compaixão por ambos os lados. Não se posicionaram a favor ou contra Israel e Palestina, mas estavam posicionados em favor da Vida. Percebemos que o percurso do programa já estava nos oferecendo seus frutos, mostrando que a generosidade, bondade e compaixão já haviam se instalado nos corações deles. Uma guerra nunca é o melhor meio de resolver um conflito, nada justifica a truculência, os assassinatos e a devastação dos bombardeios. Os civis são os que mais sofrem como sempre. Já passamos por outros períodos de guerra e infelizmente ainda não aprendemos a dialogar. Repetimos os mesmo erros de antes e consequentemente os resultados serão semelhantes. Como salientava Mahatma Gandhi, “olho por olho e todos ficarão cegos”. Em meio a tristeza e decepção pelo fracasso das relações diplomáticas, seguem ainda em guerra apesar de terem passado mais de dois meses de conflitos.
Arte como meio de construção da Paz
Apresentamos aos jovens a exposição Arte pela Paz, nesta edição nosso projeto recebeu trabalhos de artistas que vivem sob o domínio do Talibã no Afeganistão, em um campo de refugiados em Kakuma na África, e algumas das artistas que conseguiram escapar e vivem hoje como refugiadas no Paquistão. Casos reais, de pessoas que sofrem com a violência e os conflitos. Este contato com as obras e a histórias dos dilemas em torno das criações ajudou a complementar nossos ensinamentos sobre a necessidade de criarmos um mundo melhor, onde as pessoas possam desfrutar das condições básicas de justiça social,direitos humanos, bem estar e paz. As obras ficaram expostas ao lado do perfil dos artistas e todos puderam entrar em contato com as diferentes culturas e contextos onde eles vivem.
Abordamos em diversas ocasiões a questão da saúde emocional, oferecemos algumas estratégias para lidar com a ansiedade, estresse e insegurança, condições muito comuns atualmente entre os adolescentes. O relato sobre com foi aprender sobre o assunto foi observado na resposta de nosso questionário de avaliação sobre qual documentário teve maior impacto;
“O documentário sobre ansiedade, pois foi mostrado em um momento onde eu estava tendo crises constantes e no final ajudou muito.”
Miguel, 15 anos.
Aproveitamos os encontros para falar sobre as escolhas de carreira e quais seriam as profissões que eles já possuem uma inclinação de acordo com um teste vocacional que foi aplicado. Claro que alguns ainda não estão na fase de escolher a profissão pois temos participantes entre 11 e 17 anos mas a orientação, as conversas e a apresentação de um panorama de novas profissões ajudou a trazer esse assunto ao grupo e os que estão se preparando para as provas de vestibular puderam fazer perguntas e tirar dúvidas à respeito das opções atuais.
Nosso último encontro de 2023 teve até sorvete!
Como foi mencionado acima, o programa foi avaliado pelos participantes através de um questionário, ao ler as respostas e ver o engajamento do grupo acreditamos que nossa meta foi alcançada. Considerando que o atual sistema educacional está orientado principalmente para o desenvolvimento material, pouco ou quase nada é feito no sentido de “educar o coração”, não se fala de valores humanos e muito menos se oferece aos jovens conteúdos inspiracionais sobre a vida de líderes pacíficos e compassivos, nosso projeto é pioneiro em abordar estes temas. Vivemos em uma sociedade onde a competição e a aquisição de coisas é mais valorizada do que a generosidade e o autoconhecimento. Assim, ter um ambiente onde podemos desenvolver não apenas as habilidades intelectuais e acadêmicas de nossas crianças e jovens, mas introduzir a reflexão, a meditação e o conhecimento dos movimentos sociais pacifistas que ocorreram ao longo da história é realmente um tesouro. Para nós, a satisfação de ver a evolução e a transformação que ocorre quando são apresentadas as estratégias de não-violência e a biografia de seres elevados que passaram por este planeta é um dos sentimentos mais sublimes e inspiradores que existem.
Ler o relato deles sobre como foi participar do programa enche nossos corações de alegria e só faz aumentar a certeza de que estamos na direção certa!
“Eu gostei bastante de tudo!! As professoras são maravilhosas, e eu tenho certeza que vou sair com muito mais conhecimento e também vou ficar sabendo de várias pessoas importantes que eu não conhecia.”
Vitória, 11 anos.
Em 2024 o programa entrará em uma nova fase, os participantes terão a oportunidade de criar e apresentar soluções para problemas da comunidade. Além do aprofundamento das reflexões introduziremos o conceito de Ecocidadania, que irá abordar problemas ambientais locais e mundiais que precisam do envolvimento de jovens e adultos para a continuidade da vida do planeta. Temos certeza que o engajamento e o amadurecimento das idéias e ações nos trará belos frutos. Estamos muito animados com a continuidade e o fortalecimento dos laços do grupo.
Mesmo após anos de trabalho na implementação de programas de Educação para Paz não me canso de fazer o meu melhor para que iniciativas como esta se multipliquem. Ainda chegaremos à brilhante conclusão que Educar para a Paz é uma necessidade, não é luxo e nem perda de tempo. Todas as universidades ligadas a formação de professores deveriam fornecer as bases para que isso pudesse acontecer. Há muitos currículos sendo desenvolvidos neste sentido, o nosso é um dos pioneiros aqui no Brasil e em breve vai ganhar o mundo através de apresentações em seminários e congressos de Educação para Paz em outros países. Gratidão à Ana Paula Cardoso e Pedro Henrique Cardoso Navarro que fundaram o Educandário e Instituto André Luiz com um espírito inovador, com uma visão humanística e que proporciona gratuitamente esta e muitas outras oportunidades incríveis às crianças e jovens que desejam alcançar grandes objetivos através da Educação. Graças a dedicação e engajamento de vocês e de todos os professores voluntários envolvidos, o futuro será muito melhor para as crianças e jovens que são potencializados pelo Educandário.
Ninguém é melhor do que todos nós juntos!
Para encerrar essa breve apresentação, vamos compartilhar as apresentações feitas pelos jovens ao longo do programa. Os vídeos divulgados aqui foram gravados durante os encontros e para alguns foi a primeira vez que tiveram que apresentar um trabalho oralmente, tratando-se de um duplo desafio.
Esse foi apenas o começo, em 2024 teremos muito mais!
Regina Proença é filósofa, educadora, aprendiz e praticante de meditação desde 2003. Atualmente trabalha no desenvolvimento de um currículo de Educação para Paz, coordena a aplicação do programa de Liderança e Saúde Emocional com os jovens do Educandário André Luiz com a equipe do Coletivo Cultural Fora da Caixa em Sorocaba, S.P. Está em formação no curso de Medicina Tibetana.
Mirela Proença é graduada em Recursos Humanos, Pós graduada em Liderança e Gestão de Pessoas. Atua na área de Recursos Humanos e DEI, além de atuar como professora no programa de Educação para Paz no Educandário e Instituto André Luiz. Apoia no desenvolvimento dos projetos e eventos do coletivo.
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