Nepal – Peregrinação e Bênçãos
Quando sentimos em nosso coração o chamado para uma peregrinação, o universo começa a se movimentar em nosso favor, e também os obstáculos começam a surgir de todos os lados. Porém, nosso caminho já está definido nas alturas.
Se criamos a expectativa de que tudo vai dar certo, pois o dinheiro para a viagem já está reservado e não importa como a jornada se apresentará, sentimos que a alma já está dez passos à frente. Sempre foi assim comigo em outras peregrinações. Foram muitos os percalços e dúvidas até o último momento, o que já se tornou normal para mim.
Procuro manter a calma e focar no propósito; isso me ajuda a reduzir a ansiedade e a buscar as melhores alternativas para resolver as surpresas do caminho.
Para contextualizar minha aventura, vou compartilhar algumas situações concretas e desafiadoras que enfrentei. Ao chegar ao Nepal, eu tinha 100 dólares na carteira, meu cartão de débito e crédito. Fui na esperança de que teria como pagar minhas despesas para os dias após o evento, pois esse período já estava completamente pago. As despesas seriam com hospedagem, transporte, ingressos, guia, alimentação e algumas comprinhas. Sim, comprinhas, pois seria muito fácil para mim “dar uma surtada” e gastar muito mais do que seria prudente, então, como um exercício de desapego e responsabilidade, lá fui eu.
Ao desembarcar em Catmandu, soube que o visto on-line que eu já havia pago era um golpe, como tantos que acontecem na internet. Para o México, já havia passado por isso e fui impedida de embarcar no aeroporto, mas essa é outra história. Enfim, tive que pagar na chegada o valor de 30 dólares pelo visto e já fui informada de que quase ninguém aceitava cartões de débito ou crédito (apenas alguns hotéis e lojas no centro). Meus planos para o pagamento da estadia começaram a me preocupar, mas continuei tranquila. Eu já estava lá e o caminho já estava traçado. Não precisei me preocupar com isso durante a primeira semana, pois o evento e a hospedagem incluíam todas as refeições e transportes.
Aqui começa o relato sobre a hospitalidade, amizade e disponibilidade para ajudar. Quando retornei a Catmandu, me deparei com a seguinte situação: meu cartão de débito não funcionava, e a maioria dos locais não aceitava cartão de crédito. Fiquei ansiosa e comecei a pensar em como poderia resolver a situação. Eu estava em um país distante, sozinha, mas tinha alguns contatos dos amigos que fiz durante o encontro em Nagarkot. Liguei para o Gunjan, um amigo nepalês que imediatamente se propôs a me ajudar. Expliquei minha situação para ele. Como ele estava ocupado na universidade, pediu ao seu amigo/irmão Yoo Gush para receber em sua conta bancária o valor que eu tinha no meu cartão de débito, sacar e me levar no restaurante onde eu estava com minha amiga Melinda, que tinha me acompanhado à clínica de Medicina Tibetana, onde fizemos uma consulta.
E assim foi, o dinheiro chegou até mim através da ajuda desses dois anjos da guarda que conheci. Ainda tivemos a deliciosa companhia de Yoo Guesh, que se ofereceu para nos levar a alguns lugares para compras e visitas turísticas.
Mas, um dia antes disso, eu já havia agendado com meu guia Narayan uma visita à Caverna de Asura, local onde Guru Rinpoche (Padmasambhava) meditou e se iluminou. Ao deixá-la, ele começou a propagar seus ensinamentos sobre o budismo Vajrayana pelo Tibete, no início do século VIII. Guru Rinpoche é considerado o Segundo Buddha de nosso tempo. O primeiro Buddha de nossa era foi Shakyamuni, que viveu entre 952 a.C. e 872 a.C. Antes de entrar no parinirvana, Buddha Shakyamuni predisse a vinda de Guru Rinpoche e que ele ensinaria o caminho Vajrayana no reino humano. Este grandioso mestre não foi uma pessoa comum no caminho ou apenas um nobre ser em um dos bhumis do bodisatva, mas uma emanação de ambos os budas, Amitabha e Shakyamuni, que apareceram com a intenção de pacificar os seres humanos e espíritos difíceis de converter.
O local fica em meio a montanhas, e o caminho é permeado de verde, flores, pássaros e muitas bandeiras de oração. São muitos degraus para chegar até lá, o que para mim se tornou uma penitência involuntária, pois no dia anterior, de tanto perambular pela cidade com minha amiga Melinda, duas lindas bolhas surgiram embaixo dos meus dedões, e eu mal conseguia andar sem dor. Mas fui com dor mesmo, oferecendo meu sofrimento em benefício de todos os seres, e degrau por degrau, com a ajuda do meu gentil guia, eu segui.
Na entrada da Caverna de Asura, há uma marca impressa da palma da mão de Guru Rinpoche, logo acima da entrada, como se a rocha tivesse sido derretida. É muito impressionante.
O sentimento de estar ali e fazer minhas preces de agradecimento é algo que ficará impresso em minha alma para sempre. Passei algum tempo no interior da caverna, sentindo as gotas de água que brotavam das pedras me tocar como se fossem bênçãos. É muito emocionante perceber a vibração daquele local sagrado, poder manifestar minha devoção e reafirmar meu desejo de ser útil através da Medicina Tibetana, que não é apenas uma técnica, mas um ensinamento oral transmitido diretamente pelo Buda.
É impossível descrever o sentimento que me invadiu naquele local. Senti que minha mente e meu coração foram purificados e, apesar de minhas inúmeras falhas, estava no caminho certo. Agradeci silenciosamente pelas bênçãos e pela oportunidade de cumprir essa peregrinação. Embora eu não tenha uma prática perfeita, o sentimento em meu coração é verdadeiro.
Há diversos templos e monastérios na região. No alto da colina onde a caverna está localizada, fui conhecer um antigo templo de Vajrayogini.
Sempre com o sentimento de estar sendo cuidada e abençoada pelos Budas pela oportunidade de visitar esses locais tão poderosos e importantes para budistas de todos os tempos.
Gratidão ao meu guia Narayan, que me ensinou tanto sobre o Nepal, sua história, seus locais sagrados e que me apoiou ao longo do percurso para que eu pudesse realizar minha peregrinação com segurança e cumprir meu propósito.
O caminho para uma peregrinação é longo, cheio de obstáculos e repleto de sentimentos profundos. Nossa permanência nos locais sagrados dura apenas alguns minutos, mas as memórias, sentimentos e bênçãos permanecem para sempre em nosso coração. Sob os auspícios de Guru Rinpoche, Vajrayogini e de todos os Budas e Bodhisattvas, me despedi deste local abençoado, levando comigo a certeza de que voltarei novamente um dia.
Mãos em prece,
Regina Proença