O Mundo é dos Despertos

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Sempre que chegamos ao final de ano, com as festividades comerciais e religiosas tão unidas, em um infinito de imagens de famílias felizes, comidas requintadas, casas enfeitadas e tudo que nos remete aos apelos de consumo e ideais tão inatingíveis de felicidade que me pego a refletir no que de fato é importante. Acabo por sentir um aperto no peito pois nada do que está disponível nas prateleiras do comércio me atrai. Aliás, no fundo sinto até um certo incômodo em ver as pessoas entrando na onda e sendo carregadas pelas propagandas e expectativas de uma noite mágica e espiritual.

Me perdoem os cristãos que genuinamente celebram o nascimento do menino Jesus no Natal, eu sou mais afeita ao nascimento da luz após o solstício de inverno que é celebrado desde os primórdios e nos mantinha conectados com as energias da natureza e seus ciclos. Aqui no hemisfério sul não fazemos essa conexão pois estamos em pleno verão e temos um sol pra cada um mas na parte norte do planeta o momento é outro. Mesmo estando tão distantes do frio e da neve, adotamos a figura de Papai Noel com suas botas, renas e saco cheio de presentes como a principal atração de qualquer local de comércio. Alguns mais ignorantes estão mudando a cor da roupa de Noel pois o vermelho em seu imaginário está relacionado ao comunismo e aos partidos de esquerda. Nem vou comentar sobre isso pois seria inútil tentar justificar a simbologia desta data e seus personagens aos tolos em volta.

Não pensem que não admiro a origem humilde, pura e espiritual do nascimento de Jesus Cristo. Hoje o local onde ele nasceu está em guerra, com destroços materiais e humanos que em nada lembram os valores cristãos. É uma tragédia humana e a constatação do fracasso diplomático das nações do mundo, como sempre os mais vulneráveis, as crianças, mulheres e civis são mortos sem dó nem piedade, famílias que não terão absolutamente nada para celebrar neste Natal.

Com líderes que se julgam acima de qualquer punição e em nenhum momento sentem vergonha em aniquilar gerações inteiras, sem talvez perder uma noite de sono, como podemos nos sentir em paz? Sabendo que a maldade, a ganância e a arrogância sempre acompanham personalidades que se acham mais espertos que os outros, sinto uma tristeza maior ainda pois a roda da vida nunca para de girar, hoje podem estar no topo mas logo em seguida serão atirados para baixo e com eles, arrastarão centenas de milhares de almas. Tenho compaixão pelos que sofrem e também pelos que fazem os outros sofrer, entendo que o karma está presente na vida de ambos e ninguém aqui é só vítima ou só algoz, as ações boas e más têm consequências, nada fica de fora. Um dia a conta chega, os mortos se levantarão para assombrar ou cobrar suas dívidas. O ciclo não tem fim, pelo menos não aqui no samsara. Há apenas uma possibilidade de saída: a iluminação. Não foi à toa que Buda deixou seus ensinamentos, para quem não sabe, a palavra Buda significa “o desperto”, aquele que venceu a escuridão da ignorância e alcançou o mais alto nível de sabedoria e compaixão. Sem estas duas qualidades somos como um pássaro sem asas, precisamos cultivar essas qualidades se quisermos sair do chão e alçar voo. Para desenvolvermos essas qualidades práticas não há necessidade de se vincular a uma instituição religiosa, não precisamos ter fé no Buda, Jesus ou Maomé, podemos até mesmo ser ateus. Pois se você tenta ser “bom” para que Deus não te mande pro inferno, sua vida já é uma farsa. Se sua bondade, generosidade e compaixão é direcionada apenas aos que concordam com sua posição política, torcem para o mesmo time ou frequentam o mesmo clube, então ela é contaminada pelo seu ego e ignorância. Não estou dizendo que é fácil e nem simples, mas se o objetivo não for incluir todos os seres vivos, sem julgamento ou distinção, Jesus não teria dito “Ame os seus inimigos” ou “faça o bem sem olhar a quem”.

Para concluir essa reflexão e plantar uma semente de lucidez neste mundo tão caótico, violento e hipócrita, faço uma prece para que sejamos nossa melhor versão em 2025, que nossas boas ações alcancem os mais altos níveis de amor ao próximo, que sejamos contentes e satisfeitos com a vida que estamos vivendo, sabendo que problemas e boletos continuarão a existir até o último dia de nossa existência, a virada no calendário não irá alterar o curso das coisas. Mas também haverá motivos para celebrar o amor, as amizades, o nascer do sol, a chuva que refresca, as borboletas e beija-flores, o café com pãozinho, a noite estrelada e tudo que a natureza nos mostra diariamente e que nem sempre sabemos apreciar. O simples fato de você ter olhos para ver e ler essas minhas palavras já é um milagre. E lembre-se, o mundo é dos despertos, assim foi e assim sempre será.

Mãos em prece,

Regina Proença

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